Marc Prensky: "O aluno virou o especialista"
CAMILA GUIMARÃES
Há quase dez anos, Marc Prensky publicava seu mais famoso artigo como educador, no qual apresentava os termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais” – separando os que nasceram antes da internet dos que não conseguem imaginar o mundo sem ela. De lá para cá, enquanto Prensky fundava uma empresa especializada em criar games educativos, os nativos digitais invadiram as escolas. Segundo ele, nos Estados Unidos já não há mais imigrantes entre crianças em idade escolar. Para ele, ensinar essa nova geração é um desafio imenso, especialmente para os professores. “Eles precisam abandonar a velha aula expositiva e deixar que os alunos aprendam sozinhos”, diz. Esse é o tema de seu mais novo livro, Ensinando nativos digitais, sobre o qual fará uma palestra no Rio de Janeiro, na semana que vem. Ele concedeu esta entrevista exclusiva a ÉPOCA.
ENTREVISTA - MARC PRENSKY
QUEM É
O nova-iorquino – formado em francês e matemática, com especializações pela escola de Artes e Ciências de Yale e pela Harvard Business School – é especialista em tecnologia e educação
O QUE FEZ
Fundou a Game2train, uma instituição de ensino a distância que desenvolve games usados para ensinar
O QUE PUBLICOU
Ensino com jogos digitais (2001), Mãe, não me amole, estou aprendendo (2005) e Ensinando nativos digitais (2010)
ÉPOCA – Desde o surgimento do termo nativos digitais, a tecnologia avançou e o perfil do usuário envelheceu. Os nativos ainda podem ser definidos pela idade?
Marc Prensky – Na verdade, eles nunca foram, a não ser indiretamente. Nativos digitais e imigrantes digitais são termos que explicam as diferenças culturais entre os que cresceram na era digital e os que não. Os primeiros, por causa de sua experiência, têm diferentes atitudes em relação ao uso da tecnologia. Hoje, há muito mais adultos que migraram e, nos Estados Unidos, quase todas as crianças em idade escolar cresceram na era digital. Pode ser que em alguns lugares os nativos sejam separados dos imigrantes por razões sociais.
ÉPOCA – Então os imigrantes, com o tempo, tendem a desaparecer.
Marc Prensky – Em algum momento, é claro, todos terão nascido na era digital. Estamos a caminho de algo novo: a era do Homo sapiens digital ou a era do indivíduo com sabedoria digital. Para compreender o mundo será preciso usar ferramentas digitais para articular o que a mente humana faz bem com o que as máquinas fazem melhor. Nesse futuro, a diferença de idade e as diferenças entre nativos e imigrantes certamente serão menos relevantes.
"Para que a tecnologia tenha efeito positivo no aprendizado, o professor primeiro tem de mudar o jeito de dar aula"
ÉPOCA – Muitas escolas que compraram uma lousa digital ou montaram um laboratório de informática descobriram que o aparato tecnológico não funciona sozinho. O que dá certo na hora de ensinar essa nova geração?
Marc Prensky – Introduzir novas tecnologias na sala de aula não melhora o aprendizado automaticamente, porque a tecnologia dá apoio à pedagogia, e não vice-versa. Infelizmente, a tecnologia não serve de apoio para a velha aula expositiva, a não ser da forma mais trivial, como passar fotos e filmes. Para que a tecnologia tenha efeito positivo no aprendizado, os professores precisam primeiro mudar o jeito de dar aula. No meu livro, uso o termo “Pedagogia de Parceria” para definir esse novo método, no qual a responsabilidade pelo uso da tecnologia é do aluno – e não do professor.
ÉPOCA – Qual é a diferença básica entre a velha e essa nova pedagogia?
Marc Prensky – Mudam os papéis de professores e alunos. Os alunos, que antes se limitavam a ouvir e tomar notas, passam a ensinar a si mesmos, com a orientação dos professores. Por isso a real necessidade de usar ferramentas que os ajudem a aprender. O papel do aluno passa a ser de pesquisador, de usuário especializado em tecnologia. O professor passa a ter papel de guia e de “treinador”. Ele estabelece metas para os alunos e os questiona, garantindo o rigor e a qualidade da produção da classe.
ÉPOCA – Poderia dar um exemplo prático?
Marc Prensky – Suponha que um grupo de alunos precise aprender sobre o vazamento de óleo no Golfo do México. O professor poderia falar sobre o assunto. Mas seria muito melhor se em vez disso ele fizesse perguntas relevantes para os alunos. Orientados por essas questões, eles pesquisariam por conta própria e trariam respostas que podem ser expostas e compartilhadas em projetos escritos, em vídeo ou em qualquer outra mídia. O papel do professor seria, então, revisar e discutir essas respostas com a classe para ter certeza de que todos os alunos entenderam completamente todos os pontos. E também que a produção dos alunos foi profunda e rigorosa o suficiente para aquela série.
ÉPOCA – O senhor diz que o professor não precisa ter o mesmo conhecimento da tecnologia que os alunos. Como isso é possível?
Marc Prensky – Da mesma forma que pessoas que ensinam sobre livros ou filmes não precisam necessariamente escrevê-los ou dirigi-los. Nós conhecemos as tecnologias pelo nome – e-mail, Wikipédia, PowerPoint. São ferramentas que executam alguma coisa. Em educação, elas servem para treinar algumas habilidades. O e-mail é uma ferramenta para se comunicar, a Wikipédia para aprender, o PowerPoint para apresentar. Os verbos é que importam aqui. Eles são as habilidades que queremos que nossos alunos aprendam. E essas habilidades serão sempre as mesmas, mesmo que os nomes das ferramentas mudem. E-mail, por exemplo, já mudou para SMS e Twitter. Os professores precisam se focar nos verbos, não nos nomes.
ÉPOCA – Qual é o maior desafio dos professores que adotam esse tipo de ensino?
Marc Prensky – Abrir mão do papel de controlador para assumir o de guia dos alunos. Isso significa deixar de explicar tudo de uma vez para todos e passar a criar questões que deem o caminho das respostas certas para cada um deles. Eles têm de aprender como ajudar os alunos a encontrar, sozinhos ou em grupo, respostas rápidas. Um professor me disse uma vez: “Eu costumava ensinar um assunto. Agora eu ensino meus alunos”. O professor eficiente faz as duas coisas e ainda prepara seus alunos para um futuro desconhecido priorizando habilidades, não o conhecimento.
ÉPOCA – Muitos professores são eficientes usando técnicas que não envolvem tecnologia, como mostra o trabalho do educador americano Doug Lemov (autor de um livro sobre práticas de professores para estimular os alunos a prestar atenção nas aulas).
Marc Prensky – Certamente existem professores que fazem um excelente trabalho usando o método tradicional, mas eles são minoria. O sucesso de Lemov em suas escolas é louvável. Mas em educação nós temos dois objetivos: educar nossos estudantes para o dia em que eles partirem para a próxima série ou para um emprego e, ao mesmo tempo, educá-los para o resto de sua vida. No passado, quando as coisas mudavam devagar (ou não mudavam), esses dois objetivos eram um só. Agora eles divergiram, e muito, porque o futuro dos estudantes será muito diferente de sua vida de hoje. Lemov fala apenas do primeiro objetivo. Ele provavelmente está certo ao dizer que os que recebem esse tipo de educação têm sucesso em avaliações do século XX ou até em entrar na faculdade do século XX. Mas o que nossos estudantes precisam é de uma educação para o século XXI. Nós precisamos prepará-los para um futuro desconhecido, no qual eles sobreviverão não por causa do que sabem, mas por causa de suas habilidades.
Marc Prensky – No longo prazo, tenho grandes expectativas em relação ao uso da tecnologia como ferramenta de aprendizado. Muitas escolas oferecem aulas on-line – e exigem que seus alunos as assistam. Talvez as escolas sempre existam, mas a sala de aula, como conhecemos hoje, não servirá mais para ensinar. Quando isso vai acontecer, ninguém sabe.